A declaração de calamidade pública decorrente do coronavírus e as medidas determinadas pelo governo para evitar a propagação do vírus, como a proibição de aglomeração de pessoas, pegou muitos fornecedores e consumidores de surpresa.
Consumidores que compraram passagens aéreas, pacotes turísticos, ingressos para shows, espetáculos, ou outros serviços e produtos dos setores de turismo e cultura tiveram suas compras prejudicadas claramente porque não podem sair se suas casas, se aglomerar ou ter contato com áreas de risco.
Com certeza você é um desses consumidores ou conhecem algum que passou (ou está passando) por isso.
Primeiro de tudo é identificar se sua relação será afetada.
Diversas das empresas prejudicadas com a prestação de seus serviços ou entrega de seus produtos, estão tomando as iniciativas em falar com os consumidores, mas caso você (consumidor) identifique antecipadamente o problema, procure o canal de atendimento responsável, requeira a solução e guarde todos os documentos dessa tratativa. Se você for a empresa responsável, prestador de serviços ou fornecedor também mantenha o arquivo de todas as tratativas junto ao consumidor.
Qual a importância de guardar protocolos, documentos, notificações e outras provas? Para demonstrar o que foi solicitado, qual foi exatamente a solução fornecida pela empresa ou sua reação frente a isso, e a resposta do consumidor – aceitando ou não, caso tenham lhe sido apresentadas alternativas.
Além da necessidade de diálogo na relação consumidor-fornecedor, existem os direitos inerentes. Vamos à eles.
Direito do consumidor e o coronavírus
É direito básico do consumidor a proteção da vida, saúde, segurança e acesso a informação adequada e clara sobre os serviços e produto que adquire. Como exemplo, o consumidor não pode ser obrigado a comparecer ao voo agendado durante o período de pandemia porque colocará sua saúde em risco, e a depender até sua vida.
A defesa do consumidor é um dos princípios da atividade econômica e sua defesa é dever do Estado, havendo competência concorrente entre União, aos Estados e ao Distrito Federal a legislação a respeito.
O Código de Defesa do Consumidor dispõe inúmeros direitos do consumidor, tais como:
- deverão ser asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações consumidor-fornecedor.
- são nulas as cláusulas que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços; que impliquem renúncia ou disposição de direitos, assim como as que subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga; que estabeleçam desvantagem exagerada; que deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor.
Entretanto, diante de uma situação da qual nenhum prestador ou empresa se preparou, acreditando que poderiam cumprir com seus serviços e produtos junto ao consumidor, originando um enorme prejuízo econômico à todos, o estado interviu com o objetivo de assegurar a mínima manutenção dos fornecedores, relativizando certos direitos ao consumidor.
Foram publicadas duas Medidas Provisórias nesse período de pandemia para disciplinar essas relações afetadas pelo coronavírus: MPV 295 e MPV 948.
Passagens aéreas
Consumidores que adquiriram passagens aéreas antecipadas e não puderam se utilizar dos serviços, poderão ser reembolsados ou aceitar o valor como crédito para utilização posterior.
No caso de reembolso, este poderá ser feito em até DOZE MESES pela companhia aérea. No caso de aceitação de crédito, este poderá ser utilizado pelo consumidor em até DOZE MESES, contado da data do voo contratado.
Serviços, reservas e eventos
Na hipótese de cancelamento de serviços, de reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, o reembolso não é obrigatório, desde que o fornecedor assegure:
I – a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados;
II – a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos, disponíveis nas respectivas empresas;
III – ou outro acordo a ser formalizado com o consumidor.
Nesses casos, não poderão incidir quaisquer custos adicionais, taxa ou multa ao consumidor, desde que a solicitação pelo consumidor seja efetuada até julho de 2020, podendo se utilizar do crédito no prazo de doze meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020.
Quando houver remarcação, deverão ser respeitados a sazonalidade, os valores dos serviços originalmente contratados e o prazo de doze meses, contado da data que se encerrar o estado de calamidade pública.
Quando não for possível nenhuma das hipóteses acima, o prestador de serviços ou a sociedade empresária deverá restituir o valor recebido ao consumidor, atualizado monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial – IPCA-E, no prazo de doze meses, contado da data que se encerrar o estado de calamidade pública.
Profissionais contratados para eventos prejudicados
A Medida provisória também previu sobre o direito dos artistas ou profissionais já contratados e que tiveram seus serviços prejudicados, por cancelamentos de eventos, shows, rodeios, espetáculos musicais e de artes cênicas.
Artistas e profissionais – descritos acima – não serão obrigados a reembolsar imediatamente os valores dos serviços ou cachês, desde que o evento seja remarcado, no prazo de doze meses, contado da data que se encerrar o estado de calamidade pública.
Somente se a prestação de serviços contratada não for realizada no prazo deverá ocorrer a restituição do valor, atualizado monetariamente pelo IPCA-E.
Dano moral na relação de consumo
A Medida Provisória definiu a situação atual como hipótese de caso fortuito ou força maior, de modo que não ensejará dano moral, aplicação de multa ou outras penalidades em favor do consumidor.
A verdade é que toda e qualquer medida tomada neste momento, como uma única solução para todos os casos, poderá ser questionada, inclusive se não houver acordo entre as partes ou se o consumidor se sentir prejudicado.
“Por que, Lauren?” Porque nosso ordenamento brasileiro considera o consumidor como parte absolutamente vulnerável nessa relação, garantidos seus direitos pela Constituição Federal e Código de Defesa do Consumidor, sem prejuízo de outras legislações específicas.
Os prestadores de serviços, fornecedores e empresas que foram prejudicadas por não poderem cumprir com suas obrigações junto ao consumidor deverão tomar medidas cautelosas e visar o equilíbrio de ambas as partes, de modo a não incentivar a judicialização dos contratos de consumo e minimizar os riscos econômicos no momento.