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Fui convidada pela TV Centro América de Tangará da Serra/MT para explicar um pouco a respeito da famosa “Lei do Uber” e a regulamentação dos municípios a respeito. Aproveitando o “gancho”, vamos falar do assunto de forma mais aprofundada? Para isso, vamos começar lá do início.

Existe a Política Nacional de Mobilidade Urbana instituída pela Lei n.º 12.587 de 03 de janeiro de 2012, a qual tem por objetivo “a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território do Município.” (art.1º)

Acontece que na época de sua publicação, a prestação de serviços eletrônicos na área do transporte privado urbano ainda não existiam aqui no Brasil. Somente no ano de 2014 que um dos aplicativos mais famosos até hoje (Uber) começou a ganhar espaço entre a sociedade interligada.

Acontece que, a partir do momento que uma prestação de serviços totalmente nova começa a ganhar espaço, a sociedade e os profissionais começam a ter dúvidas de sua regularidade e licitude no mercado.

Após o clamor da sociedade, surgiu o Projeto de Lei n.º 5.587-C de 2016 que visava alterar justamente a Lei federal que estabelece as diretrizes da Mobilidade Urbana (citada anteriormente), como forma de regulamentar esse novo meio de transporte: o transporte remunerado privado individual de passageiros. Apesar de comprido, esse foi o nome dado pela redação legal, vejamos:

Art. 4º  Para os fins desta Lei, considera-se: 

…………………………………………….

X – transporte remunerado privado individual de passageiros: serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede.

Após a sua aprovação, como ficou a Lei federal?

A lei federal que estipula as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana passou a estipular regras gerais sobre a prestação de serviços eletrônicos na área do transporte privado urbano, deixando aos Municípios e Distrito Federal a competência exclusiva de fiscalizar e regulamentar as demais regras específicas sobre o tema.

Mas antes que se assuste, muita calma! A lei federal trouxe algumas exigências ao Município para o momento da regulamentação. Deve o ente seguir as diretrizes, tendo em vista a eficiência, eficácia, segurança e efetividade na prestação do serviço e descrever requisitos e caraterísticas necessárias que o veículo deve atender para poder transitar nas ruas.

Aí você me pergunta: Quais tipos de características?

A idade máxima do veículo para o seu uso na prestação do serviço; a necessidade de uso de adesivo ou placa do aplicativo para identificação e individualização do veículo; entre outras que se tornarem necessárias para a boa consecução do relacionamento municipalidade X aplicativos.

Ok, Lauren. E o motorista? Teve alguma exigência prevista para ele pela lei?

SIM! Inclusive, as regras gerais trazidas pela lei federal deram muito mais foco ao motorista do que ao veículo utilizado, deixando-o à cargo da municipalidade. Somente estará apto a prestar os serviços, o motorista que:

  1. Possuir CNH na categoria B ou superior que contenha a informação de que exerce atividade remunerada;
  2. Estiver com o Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo em dia;
  3. Estiver transitando com veículo que atenda aos requisitos e características exigidas pela autoridade de trânsito e pelo município e Distrito Federal;
  4. Apresentar certidão negativa de antecedentes criminais;
  5. Recolher os tributos e taxas municipais devidas pela prestação do serviços;
  6. Contratar o seguro de Acidentes Pessoais a Passageiros (APP) e DPVAT;
  7. Estar inscrito como contribuinte individual no INSS.
  8.  

Agora o que não quer calar: e se o Município não regulamentar?

Pelo País a fora, diversos municípios vem entendendo pela irregularidade desse tipo de prestação de serviço, enquanto não houver a devida regulamentação municipal.

Por outro lado, a lei federal em nada disse sobre essa questão: a prestação de serviços só pode começar a ocorrer no município que a regulamentar?

Veja, o município que entende que primeiro tem que regulamentar para só então o motorista passar a trabalhar, entende que nesse meio tempo, o motorista esta infringido o Código de Trânsito Brasileiro, realizando transporte irregular de pessoas: uma infração média, que incide multa e retenção do veículo.

“Existe uma lei federal que autoriza esse tipo de profissão, o poder publico municipal ainda não regulamentou e ainda me multou e reteve meu veículo, e agora?”

Convenhamos que ainda se trata de um assunto novo e muito “pano pra manga” está por vir, não é mesmo? Mas, em razão de diversos municípios brasileiros não estarem de acordo com a prestação desse tipo de serviço sem a devida regulamentação específica e estarem autuando os motoristas, estes, por sua vez, têm procurado o Poder Judiciário em busca de guarida.

Entendimento do Poder Judiciário

O entendimento do Poder Judiciário, até o momento, é que a ausência de regulamentação municipal, POR SI SÓ, não é impedimento do livre exercício dessa profissão.

Acontece que, a regulamentação é uma opção do Município (ou Distrito Federal), portanto, o fato de não regulamentar não torna a atividade ilícita. Vamos ver alguns julgados a respeito?

MANDADO DE SEGURANÇA – Transporte individual privado de passageiros através de aplicativo de celular – UBER – Decreto Municipal 11.251/11, que considera a atividade clandestina – Atividade privada, prevista na LPNMU – Ausência de regulamentação que não impede o seu exercício – Precedentes do TJSP – Sentença que concedeu a segurança, confirmada – Recurso de apelação e reexame necessário, desprovidos. (TJ-SP 10111348320168260248 SP 1011134-83.2016.8.26.0248, Relator: J. M. Ribeiro de Paula, Data de Julgamento: 19/04/2018, 12ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 19/04/2018)


APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. TRANSPORTE REMUNERADO PRIVADO INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS. UBER. INTERESSE RECURSAL. NECESSIDADE/UTILIDADE. LEI SUPERVENIENTE QUE SUSTENTA A DECISÃO RECORRIDA. INUTILIDADE DO PROVIMENTO. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. AUSÊNCIA DE CLANDESTINIDADE. LIVRE EXERCÍCIO DE TRABALHO, OFÍCIO OU PROFISSÃO. LIVRE INICIATIVA E CONCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. REMESSA NECESSÁRIA IMPROCEDENTE. 1. (…) 3. A competência municipal em relação ao transporte privado individual de passageiros restringe-se à fixação de requisitos mínimos de segurança, conforto e higiene, não havendo espaço para a proibição total do serviço. 4. A falta de regulamentação da atividade econômica não a torna ilícita, nem impede que seja exercida, pois o livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão é imune à ausência de norma regulamentadora. 5. Superada a controvérsia acerca da clandestinidade do serviço de Uber com a superveniência da Lei n.º 13.640/2018, eventual proibição da atividade privada constante do sistema Uber viola a livre iniciativa, a liberdade de exercício de trabalho, ofício ou profissão, assim como a livre concorrência. (TJ-AC 07124348020178010001 AC 0712434-80.2017.8.01.0001, Relator: Regina Ferrari, Data de Julgamento: 03/07/2018, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 05/07/2018)

 


AGRAVO DE INSTRUMENTO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PELO JUÍZO A QUO. SERVIÇO DE TRANSPORTE PRIVADO INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS. APLICATIVO UBER. LIVRE CONCORRÊNCIA E INICIATIVA. EXISTÊNCIA SIMULTÂNEA DA PLAUSIBILIDADE DO DIREITO ALEGADO E DO PERIGO DA DEMORA. RECURSO DA PARTE AUTORA PROVIDO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA REFORMADA. 1. Agravo de Instrumento interposto pela parte autora contra decisão que denegou pedido de antecipação dos efeitos da tutela em mandado de segurança, o qual busca coibir as autoridades impetradas de praticarem qualquer ato ou medida repressiva que impeça a parte impetrante de desempenhar livremente o transporte privado individual de passageiros, através do aplicativo UBER. 2. In casu, exsurge patente a verossimilhança das alegações vertidas na inicial, haja vista que não se vislumbra equivalência entre o serviço prestado pelo motorista cadastrado no UBER e aquele oferecido pelo taxista. De fato, o serviço de táxi, que necessita de permissão administrativa, enquadra-se como serviço de transporte público individual, nos termos da Lei nº 12.468/2011. O serviço do UBER, por sua vez, parece submeter-se ao regime de direito privado, que tem previsão nos arts. 3º e 4º da Lei de Diretrizes de Mobilidade Urbana (Lei Federal nº 12.587/12). 3. A Carta Magna de 1.988, em seu art. 1º, prevê que a República Federativa do Brasil tem como fundamentos “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”, estabelecendo, ainda, em seu art. 170, que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, observado o princípio da livre concorrência. 4. Nos termos do art. 175 da CF/88, apenas os serviços públicos estão sujeitos ao regime de delegação estatal – concessão e permissão, o que não se aplica às atividades econômicas privadas. 5. Assim, se não há vedação legal ao transporte privado individual, não há ilegalidade na atividade exercida pela parte agravante, devendo o poder de fiscalização e vigilância outorgado aos entes federados “restringir-se à análise das condições de conservação e de segurança do veículo, sua regularidade documental, aplicação das leis de trânsito, coibição de embriaguez ao volante etc.”, não podendo a Administração “apreender veículos, como diariamente noticiado em tantas localidades do país, apenas por que tais motoristas não são considerados”oficialmente”taxistas num campo, ao que parece, ainda não convenientemente regulamentado da atividade econômica eletrônica”. (TJ-SP, Relator: Fermino Magnani Filho; 5ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 23/09/2016). 6. A despeito da ausência de regulamentação da referida atividade, deve prevalecer a liberdade da iniciativa privada, de modo que o serviço de transporte por meio do aplicativo UBER não pode sofrer restrições ou sanções por parte do Poder Público, como se ilícito fosse. Ora, a competência do poder público municipal de fixar normas de segurança, higiene e conforto para o exercício do transporte privado de passageiros não o autoriza a proibir tal atividade, indistintamente, como vem ocorrendo. 7. De igual modo, pondera-se flagrante a presença do periculum in mora, tendo em vista que, caso não se conceda a tutela de urgência requerida, a parte autora poderá ser coibida de seu direito constitucional de livre iniciativa, tendo seu veículo apreendido e multado, como vem acontecendo nesta Capital Alencarina e em todo o nosso país, fato este amplamente divulgado pela mídia. 8. Logo, restando plenamente demonstradas a relevância da fundamentação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, há de ser provido o presente agravo, reformando-se a decisão de 1º grau, para conceder a antecipação dos efeitos da tutela. 9. Recurso provido. Decisão interlocutória reformada. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso para dar-lhe provimento, reformando a decisão interlocutória agravada, tudo nos termos do voto do Relator. (TJ-CE 06264612520178060000 CE 0626461-25.2017.8.06.0000, Relator: LUIZ EVALDO GONÇALVES LEITE, Data de Julgamento: 18/04/2018, 2ª Câmara Direito Público, Data de Publicação: 18/04/2018)

Todos do último ano e de estados diferentes.

O entendimento adotado é de conteúdo principiológico que traz consigo valores fundados na proteção da ordem econômica, quais sejam,
princípios da livre concorrência, da isonomia, da livre iniciativa e da liberdade de trabalho: TODOS COM PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL, sendo o direito ao trabalho, profissão ou ofício um direito fundamental.

A Constituição Federal, em seu art. , prevê que a República Federativa do Brasil tem como fundamentos “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” e, em seu art. 170:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(…)
IV – livre concorrência;
(…)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Um ponto importante é que não podemos confundir a prestação de serviços por táxis e a prestação de serviços por aplicativos, isso porque a primeiro é tida de caráter PÚBLICO e a segunda de caráter PRIVADO. A primeira está sujeita ao regime de delegação estatal – concessão e permissão; a segunda precisa seguir as regras da lei federal e municipal (ou distrital), quando houver.

Além do mais, ao Estado só é dado fazer o que a lei autoriza e ao particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe.

A competência do poder público municipal é de fixar normas de segurança, higiene e conforto para o exercício do transporte privado de passageiros. Portanto, somente pelo fato de não haver regulamentação específica não é motivação suficiente para sua restrição.

E se eu for autuado pelo município?

Conforme falei no início do texto: MUITA CALMA NESSA HORA. É obrigação do município fiscalizar a sua população como modo de manter a segurança social e, se entende que o cidadão está infringindo a lei, deve autuar.

Entretanto, caso você não concorde com as atitudes tomadas, procure uma assessoria jurídica. A lei federal deve ser interpretada de acordo com os princípios e valores constitucionais e, dessa forma, se o motorista preencher os requisitos mínimos exigidos por ela, possui diversos precedentes jurisprudenciais a seu favor.

Lauren Juliê L. F. T. Alves

Advogada e sócia do escritório Teixeira Camacho & Brasil Advogados. Consultora jurídica na empresa Data Blade Proteção de Dados. Professora e Palestrante. Especialização em Direito Contratual pela Estácio de Sá. Especialização em Uso e Proteção de Dados pela PUC. MBA em Gestão e Negociação de Contratos pela CEDIN. Membro da Associação Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados. Presidente da Comissão da Jovem Advocacia da 10 Subseção da OAB/MT. Idealizadora da Formação Contratualista e do Blog contratualista.com. Já foi professora de Direito pela Universidade do estado de Mato Grosso (UNEMAT). Para contato: lauren@tcb.adv.br e (65) 99943-5165 Instagram: @papodecontratualista

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